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Emanuela e a Borboleta Branca



Quando me olhei no espelho do meu antigo quarto, havia tantas pessoas atrás de mim, como se eu mesma fosse um reflexo de todas elas. Algo me dizia que elas eram um alicerce para que eu pudesse ser eu mesma.


Nesses breves minutos, lágrimas escorreram naturalmente dos meus olhos. Eu não me senti sobrecarregada; pelo contrário, carregava dentro de mim uma força imensa, mas que por alguma razão eu não era capaz de encontrá-la nos meus dias.


Caminhando pelos cômodos, sentei-me no sofá, entre meus pais, que pareciam surpresos ao me ver. No lugar deles, eu também estaria. Eu sabia que esse momento seria breve e que não permaneceria na memória consciente deles.


Isso acontece porque a consciência sutil existe em múltiplos níveis, permitindo que nos conectemos na camada mais intuitiva da nossa percepção. Mesmo surpresos, pude sentir a paz e a alegria em seus olhares ao me notarem. Fazia anos que não nos víamos, então perguntei a eles: “Quando foi que a vida se tornou tão pesada?”


Ainda que de uma forma muito diferente da que experimentamos na matéria, senti o toque delicado das mãos da minha mãe. A lembrança era nítida e vívida—suas mãos frias e seus dedos longos transmitiam sua energia para mim enquanto segurava a minha e, nesse instante, um conforto preenchia meu coração.


“A negatividade é um vício que envolve todo ser humano. Volte seu olhar para a luz. Abra a janela da sua alma e deixe o Sol entrar” – disse minha mãe telepaticamente para mim.


Então, antes de nos despedirmos, minha consciência foi projetada para um ambiente desconhecido. Tudo parecia extremamente branco e uma luz irradiava pelas portas e janelas abertas.


Eu estava sentada e percebi que o local era o mais próximo do que conhecemos como um hospital, embora com algumas diferenças. Pensei comigo mesma: 'Venho pedindo tanto para que a espiritualidade cuide das minhas frequentes enxaquecas, que finalmente vim ser atendida.'


Entretanto, um senhor de jaleco ajoelhou-se na minha frente e, através de imagens mentais criadas por ele e transmitidas a mim, compreendi que não havia nada que ele pudesse fazer, pois minha enxaqueca era uma consequência do meu padrão de pensamento e vibração.


“E como eu evito pensamentos negativos?" – questionei a ele em um tom desesperançoso.


Olho para cima e, de repente, começo a sentir pingos de chuva no meu rosto. Essa sensação é nova para mim durante a projeção astral. O hospital, assim como o médico que me atendia desaparecem e, num instante, estou de volta ao meu quarto. Percebo que deixei a janela aberta — a chuva entra sem pedir licença, molhando tudo ao meu redor e, me trazendo de volta à minha realidade.


Eu deveria ter me lembrado que acabamos de entrar no período de jangma aqui na Corea do Sul e, se eu não me apressar, devo pegar o metro completamente lotado.


Divido um pequeno apartamento com outras modelos de diversas partes do mundo e, como era de se esperar, a competição é intensa, e as exigências do mercado são exaustivas. Após anos vivendo e trabalhando aqui, ainda não fiz nenhuma amizade verdadeira. As diferenças culturais são marcantes, e adaptar-se a costumes tão distintos exige uma reformulação completa do que você acreditava saber sobre o mundo — além de um olhar aberto, livre de julgamentos e preconceitos.


Logo que me mudei para Seul, senti que estava tão distante das minhas raízes que tive crises intensas de choro, e a solidão tomou conta de mim. As noites pareciam intermináveis e, pela manhã, meu rosto inchado refletia o caos emocional que gradualmente tomava conta de mim.


Certa vez, após semanas consecutivas aparecendo assim no trabalho, fui confrontada pela maquiadora, que me disse:


“Você está me dando muito trabalho com esses olhos inchados! Se eu não consigo disfarçá-los, porque você, nitidamente, passou a noite toda chorando, meu emprego fica em risco” – disse de forma áspera.


“Me desculpa, o período de adaptação tem sido muito desafiador.” – respondi com sinceridade.


“A solidão ainda vai te perseguir por um bom tempo, pois faz parte da vida experimentar todos os tipos de sentimento — são eles que nos mantêm vivos. Mas saiba que, com o tempo, você descobrirá um tipo único de liberdade que só a solidão pode trazer.“


Respirei fundo e desabafei: “Exceto quando estou aqui, fazendo a sessão de fotos, passo o resto do dia me sentindo desconectada de mim mesma.”


“Você não está aqui por acaso. Imagino que tenha planejado sua vinda, então aceite esse período da sua vida para que possa aprender e crescer” – disse, revirando os olhos antes de continuar – “Pratique meditação todas as manhãs e, se não souber por onde começar, pesquise!” – completou, finalizando minha maquiagem.


Desde então, a meditação passou a fazer parte da minha rotina diária. No início, eu procurava meditações guiadas de poucos minutos, mas minha mente constantemente vagava para os mais diversos assuntos e problemas. Com o tempo, comecei a incorporar técnicas de respiração que me ajudaram a me manter mais presente.


No último ano, de forma gradual, percebi que, após um profundo relaxamento do meu corpo, minha consciência se desvinculava do corpo físico e viajava para outros lugares, conhecidos ou não. As primeiras vezes, tive medo, mas me aprofundei no assunto, através de livros e vídeos no Youtube que, me auxiliaram na compreensão de que a projeção astral é mais comum do que eu imaginava.


Sempre que viajo pelo espaço e pelo tempo — o que não acontece com frequência — sinto que há algo a ser ouvido, visto ou realizado. No entanto, a experiência que tive hoje, primeiro na casa dos meus pais e, posteriormente, no hospital, trouxe ainda mais dúvidas à minha mente.


Assim que pego meu guarda-chuva e saio de casa, a chuva para abruptamente, como se nunca tivesse existido. Enquanto caminho em direção à estação, uma borboleta branca surge ao meu lado. Observo que, a cada esquina que dobro, lá está ela, pairando próxima, como se me acompanhasse. Por um instante, me pergunto se isso é apenas um acaso ou um sinal de algo maior.


Presto atenção nos meus pensamentos — o que está passando pela minha cabeça neste momento? Claro, pensamentos negativos: por que marcaram a sessão de fotos tão cedo? Por que as meninas não me chamaram antes de sair de casa? Por que essa estação está sempre lotada? Definitivamente preciso de um salário melhor e assim por diante.


Honestamente, eu não havia notado que uma nuvem cinza pairava sobre mim há tanto tempo. No caminho até a agência de moda, anotei no bloco de notas do celular os pensamentos recorrentes do meu dia e me surpreendi ao constatar que, infelizmente, uma aparente insatisfação dominava boa parte do meu padrão mental.


Tenho a sensação de que somos assombrados por uma profunda sensação de ausência, como se sempre faltasse algo em nossas vidas. Buscamos preencher esse vazio com uma pessoa, um objeto ou um projeto, na esperança de que isso traga completude. No entanto, quando esse espaço permanece intocado, somos tomados por uma inquietante insatisfação com a vida que é projetada através de constantes reclamações.


Eu achei que estava imune a isso, mas, claramente, venho tentando saciar a fome e a sede da minha alma através do trabalho.


Consegui chegar na agência antes do que imaginava e aproveitei para tomar um café reforçado no Starbucks do outro lado da rua. Afinal, hoje o dia será muito corrido.


Entre um ensaio e outro, recebi uma mensagem de texto do meu pai:


"Emanuela minha querida filha, acordei pensando em você. Valorize cada pequeno degrau que você sobe e escute sempre seu coração. Não deixe de fazer aquilo que te faz feliz. Mesmo longe, estamos conectados."


Existem tantas camadas no coração humano que raramente encontramos nossa essência. Mesmo meditando frequentemente, não estou sabendo ouvir o chamado da minha alma. Eu preciso voltar a me conectar com aquilo que há de mais profundo em mim.


Olho no relógio e vejo que já são sete horas da noite. Lembro-me de ter feito uma campanha para uma famosa marca de perfumes no rooftop de um hotel localizado na sofisticada avenida Cheongdam-dong, a poucos minutos da agência. Felizmente, esse rooftop possui um bar acessível também para não hóspedes, um local ideal para organizar meus pensamentos.


A vista de Seul à noite é deslumbrante e o vento refresca as noites de verão. No mesmo bloco de notas que havia utilizado mais cedo, resolvi escrever:


"O que, de fato, me faz sentir viva?"


Escrevo a pergunta e encaro a tela do celular por alguns instantes, esperando que a resposta simplesmente surja. A borboleta branca que me seguiu mais cedo cruza o céu, desaparecendo na imensidão da cidade. Seria isso real ou apenas o cansaço do trabalho falando mais alto?


Sentada, olhando os prédios com as luzes acesas, imagino o que cada uma das pessoas está vivendo neste momento dentro de suas casas—quais são seus desafios, seus desejos, o que as faz felizes e apaixonadas pela vida.


É isso! Eu preciso me apaixonar pela minha vida, romantizar minha rotina, observar o mundo com os olhos da alma e não com os olhos físicos, que estão acostumados a procurar por problemas.


Eu preciso experimentar hobbies novos, ir mais vezes ao cinema, comprar flores para mim mesma e preparar minha comida favorita nas segundas-feiras. Eu sei, a mudança é lenta e o esforço para confrontar pensamentos negativos será continuo, mas fico animada com a possibilidade de deixar o Sol voltar a iluminar minha vida.


Peço a conta e vou embora, leve, sem o peso que senti ao sair de casa.

 

Até breve,

Samira Stoiani

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