Meu nome é Fidela, e vivi uma experiência de quase morte dois dias antes de completar 30 anos. Voltando para casa depois de um dia exaustivo de trabalho, na tentativa de fugir do trânsito, optei por um caminho que não me era comum e, a consequência dessa escolha, mudou completamente minha vida.
Após o acidente, descobri que aquela rodovia é conhecida pelos incidentes provocados intencionalmente por pessoas locais com o objetivo de assaltar motoristas desatentos. Não sei se no meu caso foi descuido ou destino, mas o fato é que já era noite quando colidi com um enorme pneu de caminhão que estava no meio da pista.
Um sentimento profundo de paz me envolvia, e, ao abrir os olhos, percebi que o céu parecia mais estrelado do que nunca. Ao meu redor, não havia nenhum vestígio do acidente, o que tornava ainda mais difícil compreender que, essencialmente, eu estava morta.
Embora fosse uma noite de Lua nova, que tornava a escuridão ainda mais intensa, ao final da estrada havia uma cabana cuja luz irradiava por toda a região. Sem outra alternativa, decidi caminhar até lá.
Ao me aproximar e chegar à porta, fui tomada por um misto de surpresa e emoção: meu cachorro e meu gato, que haviam partido há anos, estavam ali, como se estivessem me esperando. Naquele instante, a realidade começou a fazer sentido. Ser recebida por eles, abraçá-los novamente, foi como preencher um vazio que nunca consegui superar, mas ao mesmo tempo, eu ainda estava muito confusa.
Selene, uma mulher de meia-idade com um semblante acolhedor, apareceu na porta. Com voz serena, apresentou-se e me convidou a entrar. Sem rodeios, revelou que eu havia sofrido um acidente de carro e explicou que em poucas horas eu retornaria à materialidade da existência. Como cresci em um lar espírita, não tive dificuldades em compreender a presença de Selene como um espírito benfeitor que estava ali para me auxiliar.
Enquanto, aparentemente, aguardávamos a chegada dos paramédicos no local do meu acidente, Selene iniciou uma conversa profunda e reflexiva. Suas palavras ressoaram como um ultimo chamado à transformação, despertando em mim o desejo de aproveitar ao máximo a segunda chance que o Universo estava me concedendo para reavaliar e readequar minha vida.
“Você sente que vive uma vida autêntica, Fidela?” – questionou-me.
A pergunta me pegou tão de surpresa que demorei alguns instantes para respondê-la e, honestamente, após refletir sobre todos os cenários da minha vida, a conclusão era clara: NÃO, eu não vivia de forma autêntica. Acostumada a querer agradar à todos, negligenciei minhas próprias vontades. Eu havia me moldado para viver a vida que haviam escolhido para mim.
“Viver sob as expectativas dos outros traz consequências. O sabor pode parecer doce no início, mas inevitavelmente se torna amargo com o tempo. Por outro lado, escolher trilhar o próprio caminho e confiar na sua voz interior pode parecer difícil e amargo no começo, mas, ao final, revela-se doce como um néctar, trazendo realização e pertencimento. Você é a única responsável pelo caminho da sua missão e evolução.” – disse Selena.
Por muito tempo, tentei me convencer de que as escolhas que fazia eram realmente minhas e que, com o tempo, a felicidade plena chegaria. No entanto, tantas camadas encobriam minha verdadeira essência que percebi que o trabalho de autoconhecimento seria longo e árduo.
"Quem não se volta para si mesmo e não se reconhece, inevitavelmente espera que o outro faça isso por você. O verdadeiro desafio está em abandonar a ideia de quem você acha que deveria ser e aceitar, com coragem e autenticidade, quem você realmente é. Isso significa desagradar e enfrentar desafios e críticas, mas a nossa existência está relacionada com a nossa capacidade de relembrar quem somos e para que viemos. Por honra àqueles que amamos, não podemos deixar de cantar nossa própria canção.”
Inconscientemente, eu estava reescrevendo a história dos meus pais em vez de escrever minha própria. Acreditei, de forma equivocada, que deveria ser leal às escolhas feitas por eles, mas, ao fazer isso, deixei de ser leal à mim mesma. O verdadeito ato de amor consiste em construir a si prórprio, explorando novos horizontes e alcançando patamares que antes pareciam inalcançáveis.
“O amor não deve vir de fora. Você deve se amar o suficiente para se reconstruir de outra forma”, disse Selene, segurando minha mão com firmeza. “Uma árvore que oferece oxigênio é sagrada; o Sol, que renasce todos os dias e sustenta a vida, também é sagrado. Os minerais que fornecem os elementos essenciais à existência na Terra carregam essa mesma sacralidade. Da mesma forma, quando um ser humano encontra seu lugar no mundo, ele se torna sagrado. O Universo espera algo único de cada um de nós, Fidela!”
Permaneci em silêncio, refletindo sobre as mudanças que desejava realizar na minha vida e, aos poucos, uma ansiedade foi crescendo dentro de mim. Olhando para o relógio, notei que os ponteiros estavam parados, o tempo naquele lugar não seguia as mesmas regras. Notando minha inquietação, Selene disse-me: “Olhe menos para o relógio e mais para as estrelas, pois são elas que vão te guiar”.
Ao fundo, comecei ouvir vozes misturadas e um barulho de sirene.
“Está na hora de você voltar para o seu corpo, Fidela. Transcenda os fatos e lembre-se que cada história é única e que ainda dá tempo de explorar suas potencialidades. A tua essência te aguarda para um diálogo” e, assim, Selene se despediu de mim.
Minha próxima lembrança é despertar no hospital, com dores intensas por todo o corpo. Era 9 de fevereiro, dia de Lua Nova e, coincidentemente, meu aniversário. Naquele momento, percebi que havia literalmente renascido. Nunca fui de fazer grandes pedidos em aniversários, mas naquele dia, mais do que um desejo, fiz uma promessa: honrar minha vida e minhas próprias escolhas. Decidi viver de forma autêntica, livre das expectativas alheias e comprometida com minha verdade interior.
E se a vida lhe oferecesse uma segunda chance, o que você faria diferente?
Até breve,
Samira Stoiani