E foi a partir daquele dia ao sair da leitura de tarot que a vida de Ágata tomou outro rumo.
Contrariando todos à sua volta que não acreditavam em oráculos, ela sabia que ao entrar naquela sala cheirando à incenso e cheia de cristais e velas algo mudaria para sempre na sua vida. Ágata nunca foi de rotular ninguém ou ter preconceitos, mas surpreendeu-se ao ser recepcionada pela taróloga que, não era absolutamente nada do que ela esperava encontrar.
Surya vestia roupas claras, seu olhar era sereno e sua energia transmitia paz. Sem muitas perguntas, dispôs as cartas na mesa e disse à Ágata: “Neste Universo não existem coincidências, fico feliz de termos nos encontrado e espero que a leitura ilumine a sua alma que ânseia por respostas.” Ágata sentiu aquelas palavras profundamente e estava disposta a ouvir com o coração aberto o que ali seria revelado.
A energia da sala a capturou ao ponto de parecer que, durante uma hora, o mundo havia parado para que ela pudesse desvendar desejos que nem sabia ao certo que existiam dentro de si. Encerrada a leitura e de volta ao seu carro, permaneceu exatos 10 minutos estática, relembrando cada palavra que Surya havia lhe falado. Como tudo aquilo poderia fazer tanto sentido? Como aquela misteriosa mulher poderia saber mais sobre ela, do que ela própria?
Nos dias seguintes, Ágata só conseguia pensar sobre o que Surya havia lhe dito - “Talvez você não esteja sendo você mesma, o início de uma longa jornada se dará em terras distantes para que você possa expandir as barreiras geográficas, emocionais e mentais do seu mundo particular.” Mas, Ágata se questionava como isso seria possível se aos 30 anos o que se espera é que você planeje os próximos passos da sua carreira e envie à gráfica os convites do seu casamento e não que você embarque numa viagem rumo ao desconhecido.
Meses passaram, era segunda 18h30 quando Ágata finalizava às pressas sua última reunião do dia, pois havia confirmado particiar de um ritual Xamânico que acontecia toda primeira segunda do mês às 20h. Como sempre chegou atrasada, mas conseguiu um espaço em volta da fogueira e em tempo de participar do famoso ritual do cacau.
Os tambores batiam no ritmo do seu coração e sua respiração foi ficando cada vez mais intensa até que um silêncio profundo invadiu a sala. O xamã, então, se aproximou de Ágata e prontamente disse a ela: “Um portal se abriu para você meses atrás e muita coisa foi revelada, o que você está esperando para fazer o que deve ser feito? Na vida, não tenha pressa, mas também não perca tempo.”
Impactada com o que tinha acontecido, insatisfeita com a sua rotina e na adrenalina de viver novas experiências, ao chegar em casa abriu o computador e comprou sua passagem para o Japão, afinal qual país poderia ser mais distante que o Japão? O email solicitando férias ao seu trabalho foi breve, pois em 3 anos nunca havia descansado, era certo que seu pedido seria aprovado sem grandes problemas. Ágata sabia que algo precisava mudar na sua vida e essa, certamente, era uma grande decisão.
Como essa era sua primeira vez viajando sozinha, decidiu que seria mais seguro hospedar-se em um templo budista em Monte Koya. Ao ser recepcionada por um sorridente monge idoso que vestia uma espécie de roupão laranja e marrom, recebeu instruções iniciais e um folheto com a programação dos dias e os horários das refeições, dos banhos coletivos e das meditações. Ágata estava aberta à todo tipo de experiência e, como estava em busca de uma imersão total na cultura, inscreveu-se na primeira palestra disponível naquele mesmo dia: Wabi Sabi – A Sabedoria e a Beleza da Imperfeição.
Dessa vez, decidiu chegar meia hora mais cedo na sala para garantir um bom lugar, uma vez que o templo parecia ser um destino popular entre os turistas em busca de conhecimento espiritual. Nos próximos poucos minutos não havia mais espaço no chão para sentar, a aula prometia ser transformadora. Após realizarem uma meditação guiada por monges aparentemente jovens, o mestre Hikari entrou na sala, apresentou-se e iniciou dizendo: “Estamos aqui para descobrirmos a essência de quem realmente somos, o nosso Ikigai. Não importa há quanto tempo vocês estejam em busca do caminho da Verdade, aqui somos todos sempre iniciantes.”
Acostumada a cobrar-se o tempo todo, aquelas primeiras palavras, de alguma forma, trouxerem conforto ao seu coração. Para sua sorte, foram distribuidos papel e lápis para quem desejasse anotar o conhecimento que, humildemente, estava sendo compartilhado por aquele sábio mestre japonês que carregava no olhar a experiências de muitas vidas numa só.
Era nítido que Hikari estava dando tudo de si, como se realmente seu único objetivo de vida fosse a transformação de todas aquelas pessoas ocidentais tão acostumadas a viverem em discordância com a natureza e o ciclo natural de todas as coisas. E em tom de voz baixo e de forma calma, continuou dizendo: “Assumir o Wabi-Sabi como um estilo de vida, significa assumirmos nossas imperfeições, sabendo que sempre teremos algo à aprender, sempre haverá algo para ser melhorado e vivido.”
E olhando nos olhos de Ágata disse: “Vocês precisam perder essa fixação pelo perfeccionismo, pois a natureza possui suas imperfeições e não deixa de ser bela. Nós, como extensão dela, podemos passar uma vida toda tentando sermos perfeitos e não seremos. Logo, viveremos uma vida cheia de sofrimentos. Sabendo que nada dura para sempre, passamos a apreciar a beleza do momento.”
Ágata parou de prestar atenção por 1 minuto e escreveu em letras garrafais “A VIDA É IMPERFEITA POR DEFINIÇÃO” repetiu diversas vezes na sua mente e essa frase tornou-se a primeira lição do seu encontro consigo própria. A partir daquele momento muitas crenças precisariam ser desfeitas e uma nova forma de enxergar a vida redefinida. Voltou sua atenção ao mestre que continuava:
“Se formos contra o fluxo natural da vida, certamente sofreremos. Não basta compreender o conceito do Wabi-Sabi é preciso viver sob seus preceitos – 1) nada é perfeito; 2) nada é terminado; 3) nada dura para sempre – e sinto decepcioná-los mas nenhum ser humano tem uma vida perfeita, nem mesmo este senhor de quase 90 anos que vos fala, então, os encorajo a serem as melhores pessoas imperfeitas que vocês podem ser e corram atrás dos seus sonhos.”
Após uma pequena pausa para um chá, várias imagens de paisagens dos lugares mais lindos do mundo foram expostas com o objetivo de mostrar-lhes que na natureza nada é absolutamente simétrico e que a beleza está na originalidade e na irregularidade ou como dito por um dos alunos: “A natureza é uma obra interminável de Deus que estará sempre em andamento”.
Durante toda a palestra Hikari enfatizou a importância da reconexão com a natureza e de construir tempo e espaço na vida para tudo aquilo que é realmente essencial, descartando toda a superficialidade acumulada ao longo de uma existência. Também perguntou à todos da sala quem havia notado que, as xícaras em que foram servidos os chás, eram objetos reparados e irregulares, afirmando que esse conceito chamado Kintsugi fazia parte da filosofia Wabi-Sabi, pois diante das adversidades da vida é preciso saber se recuperar e entender que as cicatrizes fazem parte da história de cada um e, é isso que confere a cada pessoa uma beleza única.
Ágata só conseguia pensar na sua casa e na quantidade de coisas desnecessárias acumuladas, na falta de simplicidade dos ambientes, sem contar, todas as vezes que se desfez de objetos que eram importantes para ela, mas que haviam quebrado ou envelhecido.
Antes das últimas palavras de encerramento da palestra, os auxiliares do mestre Hikari levaram até ele uma tela e um pincel com apenas um pote de tinta preta ao lado. Todos o observavam atentamente, o mestre, então, fechou os olhos, respirou profundamente e ao soltar o ar, de forma leve e suave, desenhou um círculo sem, entretanto, fechá-lo e explicou: “Este símbolo chamado Enso, muito importante para nossa cultura Japonesa, representa tudo o que vos expliquei brevemente neste poucos minutos que compartilhamos juntos. Deixem partir todas as expectativas, abracem a impermanência e a imperfeição de todas as coisas. A beleza nasce no contraste e na harmônia das diferenças, tudo muda o tempo todo.”
De volta ao seu quarto, Ágata estava sentindo um turbilhão de emoções, lágrimas de gratidão escorreram dos seus olhos, pela experiência única que havia vivido. Olhou para todas as cicatrizes do seu corpo com carinho e acolhimento por contarem suas histórias e dormiu animada pelos próximos aprendizados e pelas surpresas que a vida lhe reservava.
Continua...
Até breve,
Samira Stoiani
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